1 de março de 2010

TEMÁTICA 1 - DIR. PROBATÓRIO. PARTE 1/5: Ônus probatório. Breves apontamentos para descomplicar

Como se sabe, numa relação processual, as partes não podem apenas alegar o acontecimento de fatos. Mais do que isso, devem os litigantes provar a veracidade das suas alegações, para buscar o convencimento do juiz. O magistrado não tem ciência dos fatos ocorridos entre as partes (não deve ter, pois se tiver ele será parcial). Por isso, os litigantes devem alegar e provar as alegações, para que, então, o juiz possa conhecer dos fatos e chegar a um julgamento justo (daí a nomenclatura “processo de conhecimento”).

Assim, a parte que alega avoca para si o ônus de provar o fato alegado. Se não fizer isso, ou seja, caso não se desincumba deste encargo, arcará com certos prejuízos.

Sendo assim, pode-se conceituar o ônus da prova, nas palavras de Dinamarco, como o “encargo atribuído pela lei a cada uma das partes, de demonstrar a ocorrência dos fatos de seu próprio interesse para as decisões serem proferidas no processo”.

É comum a doutrina dividir o ônus da prova em ÔNUS SUBJETIVO e ÔNUS OBJETIVO. Na verdade, não existem dois tipos de ônus, como se pode pensar, mas sim duas visões. Dependendo do ponto de vista com que se analisa o onus probandi, ele poderá ser subjetivo ou objetivo.

Quando a lei estipula quais fatos autor e réu têm que se preocupar em provar, vistas aos seus respectivos sucessos na lide, vislumbra-se o caráter subjetivo do ônus da prova. No entanto, sendo as provas insuficientes para revelar o ocorrido e tendo o juiz o dever de julgar (pois no direito moderno é vedado o non liquet), o onus probandi passa a ser uma regra de julgamento para o juiz, já que indicar-lhe-á qual das partes deverá suportar os riscos advindos do mau êxito na atividade probatória, amargando uma decisão desfavorável (caráter objetivo).

Didier resume bem a questão: “Diz-se, em síntese, que o ônus subjetivo é regra de conduta para as partes, enquanto que o ônus objetivo é regra de julgamento a ser aplicada pelo magistrado em caso de insuficiência das provas produzidas – o último refúgio para evitar o non liquet.”

Ao enxergarmos o ônus probatório de um ponto de vista subjetivo, podemos dizer que a lei diz o que o autor deve provar, e o que o réu, por sua vez, deve provar. Se, por ventura, as provas forem insuficientes, o juiz não poderá deixar de julgar. Ele deve julgar! É comum se perguntar: mas como ele vai julgar, se os fatos não foram devidamente provados? É aí que ele terá que imprimir um ponto de vista objetivo ao onus probandi. Quem deveria provar, mas não provou, vai arcar com os prejuízos por não ter se desincumbido do ônus.

Nesse sentido, o CPC, em seu art. 333, fixa as regras sobre a distribuição do encargo de provar entre as partes:

Art. 333 – O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto a fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

A distribuição do ônus acima referida é a denominada DISTRIBUIÇÃO ESTÁTICA, já que determina prévia e abstratamente o encargo probatório, na orientação esboçada: ao autor incumbe provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos.

No entanto, o processo civil se adequa, cada vez mais, à TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA do ônus da prova, em razão da possibilidade concedida pela lei, visando a inversão do regramento disposto no artigo supra. É a chamada INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. Pela inversão do ônus da prova, o juiz poderá, em certas situações e observados certos requisitos, inverter a regra traçada no art. 333 do CPC.

Costuma-se dividir as normas de inversão do ônus da prova em normas de inversão legal (ope legis) e normas de inversão judicial (ope iudicis).

a) Ope legis: é a inversão determinada pela lei, independentemente do caso concreto e da atuação do juiz. A lei determina que numa dada situação, haverá uma distribuição do ônus da prova diferente do regramento comum previsto no art. 333 do CPC. Por isso mesmo é que Didier faz a pertinente lembrança de que não há aí qualquer inversão, mas tão-somente uma exceção normativa à regra genérica do ônus da prova. É, pois, igualmente, uma norma que trata do ônus da prova, porquanto o regule abstratamente. Exemplo de “inversão” ope legis é o da prova de propaganda enganosa, consubstanciada no art. 38 do Código de Defesa do Consumidor.

b) Ope iudicis: esta, sim, é verdadeira inversão do ônus da prova. Em casos tais, o legislador não excepciona a regra geral sobre o onus probandi, mas abre oportunidade para que o magistrado, no caso concreto, constatando a presença dos requisitos exigíveis para tanto, o inverta. Assim, prevalece, a priori, a regra geral do art. 333 do CPC, podendo o juiz, no caso concreto, a depender das circunstâncias, excepcioná-la, dispondo de que forma será redistribuído o ônus da prova. Podemos vislumbrar a inversão ope iudicis também no CDC, em seu art. 6º, VIII. Outro caso em que o ônus probatório deverá ser distribuído dinamicamente, havendo possibilidade de sua inversão, é quando se está diante da PROVA DIABÓLICA. A prova diabólica é aquela que é impossível, senão muito difícil, de ser produzida (bom exemplo de prova diabólica, ilustrada por Didier, é a do autor da ação de usucapião especial, que teria de fazer prova do fato de não ser proprietário de nenhum outro imóvel [pressuposto para essa espécie de usucapião]. É prova impossível de ser feita, pois o autor teria de juntar certidões negativas de todos os cartórios de imóvel do mundo.). Quando se está diante de uma prova diabólica, insusceptível de ser produzida por aquele que deveria fazê-lo de acordo com a lei, mas apta a ser realizada pelo outro, o onus probandi deverá ser distribuído dinamicamente, caso a caso.

Urge-nos ressaltar que a inversão deve ser feita em momento que permita àquele que assumiu o encargo livrar-se dele, sob pena de afronta ao princípio do devido processo legal.

Para terminar, devemos fazer uma explanação sobre o ônus da prova de fato negativo: contra as alegações da existência de fato constitutivo esposadas pelo autor, o réu pode apresentar defesa de mérito direta ou indireta. A direta ataca diretamente o fato constitutivo, negando-o, enquanto a indireta admite o fato constitutivo, mas traz fato novo ao processo (impeditivo, modificativo ou extintivo). Quando o réu faz alegação de um fato negativo (defesa direta, portanto), ele se desincumbe de provar tal alegação, posto que não há como se provar a existência de um fato que afirma ser inexistente. Assim, se a parte faz a negativa de um fato afirmado pela outra, a esta outra parte é que caberá o ônus de provar a existência do que alega ter ocorrido.

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