27 de novembro de 2010

EM PAUTA: O regime da separação de bens passará a ser obrigatório para pessoas com mais de 70 anos

Atualmente, o art. 1.641, inciso II, do Código Civil ostenta a seguinte redação:

"Art. 1.641 - É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: [...] II - da pessoa maior de sessenta anos;"

Este artigo sempre foi extremamente criticado pela doutrina pátria. É incontável o número de estudiosos que criticam a obrigatoriedade do regime em razão da idade da pessoa, já que trata os idosos como se incapazes fossem. Considera-se que as pessoas acima de 60 (sessenta) anos não possuem sequer o discernimento para optar pelo regime matrimonial que melhor lhes aprouver.

Um bom trabalho sobre a polêmica pode ser lido aqui.

Apesar da forte crítica que se faz ao dispositivo, o STJ, recentemente, agravou a interpretação dada ao mesmo. O Tribunal Superior fixou entendimento de que a obrigatoriedade se aplica, também, aos casos de união estável.

Veja-se o julgado:

RECURSO ESPECIAL - UNIÃO ESTÁVEL - APLICAÇÃO DO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS, EM RAZÃO DA SENILIDADE DE UM DOS CONSORTES, CONSTANTE DO ARTIGO 1641, II, DO CÓDIGO CIVIL, À UNIÃO ESTÁVEL - NECESSIDADE - COMPANHEIRO SUPÉRSTITE - PARTICIPAÇÃO NA SUCESSÃO DO COMPANHEIRO FALECIDO QUANTO AOS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL - OBSERVÂNCIA - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1790, CC - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - O artigo 1725 do Código Civil preconiza que, na união estável, o regime de bens vigente é o da comunhão parcial. Contudo, referido preceito legal não encerra um comando absoluto, já que, além de conter inequívoca cláusula restritiva ("no que couber"), permite aos companheiros contratarem, por escrito, de forma diversa; II - A não extensão do regime da separação obrigatória de bens, em razão da senilidade do de cujus, constante do artigo 1641, II, do Código Civil, à união estável equivaleria, em tais situações, ao desestímulo ao casamento, o que, certamente, discrepa da finalidade arraigada no ordenamento jurídico nacional, o qual se propõe a facilitar a convolação da união estável em casamento, e não o contrário; IV - Ressalte-se, contudo, que a aplicação de tal regime deve inequivocamente sofrer a contemporização do Enunciado n. 377/STF, pois os bens adquiridos na constância, no caso, da união estável, devem comunicar-se, independente da prova de que tais bens são provenientes do esforço comum, já que a solidariedade, inerente à vida comum do casal, por si só, é fator contributivo para a aquisição dos frutos na constância de tal convivência; V - Excluída a meação, nos termos postos na presente decisão, a companheira supérstite participará da sucessão do companheiro falecido em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência (período que não se inicia com a declaração judicial que reconhece a união estável, mas, sim, com a efetiva convivência), em concorrência com os outros parentes sucessíveis (inciso III, do artigo 1790, CC). VI - Recurso parcialmente provido. (REsp 1090722/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 30/08/2010)

Mas, antenção!!! Uma mudança ao art. 1.641, II do CC está prestes a acontecer. Porém, infelizmente, não se trata do fim da absurda regra. Haverá apenas uma mudança na idade a partir da qual o regime de separação de bens é considerado obrigatório. Passará de 60 (sessenta) para 70 (setenta) anos.

Trata-se do PLC nº 07/2008, que foi aprovado no Senado no dia 17.11.10, tendo a sua constitucionalidade sido aprovada pela CCJ (veja o relatório aqui). A justifica da Deputada Solange Amaral (PFL/RJ), autora original do Projeto, é que, com o avanço da medicina e da expectativa de vida dos brasileiros, não mais se sustenta a obrigatoriedade do regime para pessoas com mais de 60 (sessenta) anos.

Pergunta-se: e qual a justifica para aplicar a regra para quem tem mais de 70 (setenta) anos?

Mais uma oportunidade perdida para extirpar do ordenamento a regra que, ao meu ver, é flagrantemente inconstitucional.

De qualquer forma, vale-nos a atualização!


26 de novembro de 2010

EM PAUTA - Novo CPC. Quadro comparativo

Como todos devem saber, ontem (24.11.10) foi apresentado pelo Sen. Valter Pereira o Relatório Geral do PLS nº 166/2010 (Novo CPC).

Hoje, enfim é disponibilizado o quadro comparativo entre o CPC/73, o projeto elaborado pela Comissão presidida pelo Min. Luiz Fux, e o substitutivo apresentado pelo Sen. Valter Pereira.

Trata-se de material de extrema importância para todos os que buscam se inteirar na tramitação do projeto, porquanto seja possível uma visão sistematizada das mudanças a serem implementadas.

Acesse o material e faça o download do mesmo CLICANDO AQUI

Lembrando que todos podem fazer o acompanhamento da tramitação do PLS nº. 166/2010 clicando no link disponível na barra lateral desse Blog.

Abraços!!!

13 de novembro de 2010

DESCOMPLICANDO 3 - "Perpetuatio" no Processo Civil

Uma coisa é inevitável: tudo muda, o tempo todo. Nós próprios já não somos os mesmos quando da última piscada ou do último suspiro, ainda que isso assuste aqueles que, cheios de jactância, temem a velhice.

Tudo está em constante mudança. Por quê? Porque, simplesmente, "tudo flui", como já concluía, séculos atrás, Heráclito.

Numa demanda jurisdicional, isso não é diferente. Desde o momento da propositura de uma ação, até a satisfação do direito declarado, muita coisa mudou. Não me refiro apenas aos desgastes físicos das partes, ou do juiz, ou de qualquer consequencia natural em razão da essência humana, que, em geral, não influem decisivamente no curso do processo (apesar de termos que confessar, por exemplo, que muitas vezes o réu usa do desgaste de seu adversário para forçar um acordo amigável...).

Quero referir-me aqui, especialmente, às mudanças nos elementos essenciais de uma demanda: as próprias partes, individualmente consideradas; o objeto do processo (pedido e causa de pedir); e a competência do juízo.

Mudanças em tais elementos não são assim tão raras de acontecer numa demanda, afinal, tudo flui... Mas por serem, como dito, elementos essenciais, tais mudanças acarretam, sim, consequencias importantes, e que por isso merecem ser consideradas.

Porém... (o leitor me perdõe por usar tantas conjunções adversativas, mas elas se fazem necessárias, pois apesar de, em certos parágrafos, as conclusões parecerem certas, tudo muda, tudo flui...)

O processo é algo que não pode durar para sempre. Ele começa, e tem de terminar uma hora. E não a qualquer hora, mas numa tal que permita o direito ser satisfeito, ser efetivado, em respeito ao princípio constitucional do acesso à ordem jurídica justa!

Por isso, o processo tem que ter mecanismos para ficar, de alguma forma, imune às mudanças, ou pelo menos aos efeitos que logicamente decorreriam destas. Em outras palavras, o processo precisa, em certo momento, se estabilizar.

Destarte, os elementos essenciais (aqueles já referidos acima) se petrificam, de modo que eventuais mudanças sobre os mesmos no decorrer da demanda não venham a afetá-la, atravacando-a infinitamente... A esse fenômeno dá-se o nome de perpetuatio.

Existem 03 (três) espécies de perpetuatio, a depender do elemento perpetuado. São elas:

a) perpetuatio jurisdictionis - perpetuação da competência;

b) perpetuatio legitimationis - perpetuação das partes;

c) perpetuatio libelli - perpetuação do objeto.

O intuito deste post não é dissecar exaustivamente cada uma das espécies acima apresentadas, até porque elas são melhor estudadas quando do tratamento de cada um dos elementos. Mas, valem-nos algumas breves considerações.

PERPETUATIO JURISDICTIONIS

Vem prevista no art. 87 do CPC, que reza: "Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia".

Uma vez proposta a ação perante o juízo competente, a competência deste se perpetua, se estabiliza. Modificações posteriores não farão com o que o juízo deixe de ser competente.

Ex.: Maria propõe ação de divórcio em face de seu marido Caio. Ela propõe a demanda em São Paulo, pois é a cidade em que reside, levando em consideração o foro privilegiado previsto no art. 100, I do CPC. Acontece que, durante o processo, Maria se muda para Belém. Apesar da capital paraense ser o novo lar de Maria, o juízo de São Paulo continua competente para julgar a ação proposta, porquanto sua competência tenha se perpetuado no momento da propositura da ação, sendo irrelevante a modificação fática posterior.

Importante fazermos a ressalva de que a regra comporta exceções. Uma delas está prevista no próprio art. 87, transcrito acima. Se a modificação importar em suprimento do órgão judiciário ou alterar os critérios de competência em razão da matéria ou da hierarquia, a competência mudará. Outra exceção à regra geral é a ocorrência de conexão ou continência das ações (CPC, art. 102).

PERPETUATIO LEGITIMATIONIS

Vem prevista no art. 264 do CPC, quando este reza que, feita a citação, devem as partes ser mantidas. O art. 42 do mesmo diploma legal corrobora com a certeza, ao dispor: "A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes".

Imaginemos o exemplo: "A" e "B" discutem judicialmente a titularidade de determinado imóvel, em posse de "B". Acontece que, no curso do processo, "B" aliena a coisa para "C". O adquirente ("C"), por certo, passa a ter a legitimidade ad causam para figurar no processo, mas isso em tese não ocorrerá porque a legitimidade de "B" já havia se perpetuado, e ele deverá continuar no feito até o seu final [1].

Exceções à regra da perpetuatio legitimationis: CPC, art. 42, § 1º; art. 43; e art. 66.

PERPETUATIO LIBELLI

Vem prevista no art. 264, parágrafo único, in verbis: "A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo".

A questão da modificação objetiva da demanda pode ser esquematizada da seguinte forma:

- Até a citação do réu, o autor pode fazer as mudanças que entender necessárias, correndo às suas contas as custas de tal modificação (v. art. 294 do CPC);

- Após a citação do réu, as modificações só são cabíveis com o consentimento deste (CPC, art. 264, caput)

OBS.: Se o réu for revel, a alteração não será possível, a não ser que seja procedida nova citação (art. 321) [2].

- Após o saneamento do processo, incabível qualquer alteração, mesmo que o réu consinta, porque ocorrera a perpetuatio libelli.

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[1] O que "C" poderá fazer? Não é o objeto desta postagem, mas para quem ficou curioso, ler os parágrafos do art. 42 do CPC.

[2] Certa vez, travei discussão interessante com um amigo sobre a seguinte questão: Se o autor resolver alterar um dos elementos objetivos da demanda quando o réu for revel, e este, feita a nova citação, decidir se manifestar, qual será o limite de tal manifestação? Poderá fazer referência a todos os fatos (sobre os quais recaíram os efeitos da revelia), ou apenas àqueles modificados pelo autor? A questão é interessante, e prometo fazer, em breve, uma postagem expondo minha opinião.

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Bem, estas são algumas considerações que entendo pertinentes. Lembrando que o propósito não foi exaurir o tema. Trata-se de assuntos profundos e complexos, e que por isso merecem um estudo mais detalhado. O intuito dessa postagem foi apenas estruturar de forma didática o fenômeno da perpetuatio, que, por incrível que pareça, muita gente desconhece.

Bons estudos para todos, e estou à disposição para discussões sobre a questão!

4 de novembro de 2010

DESCOMPLICANDO 2 - Duty to Mitigate

Salve, salve, rapaziada... Faz tempo que eu não atualizo o Blog. Peço sinceras desculpas. Sei que não é razão que justifica, mas a minha falta de tempo tem dificultado o meu acesso ao Blog. Prometo, porém, que marcarei presença com mais frequencia aqui, buscando atender as finalidades deste espaço.

Bem, nesta postagem, vamos descomplicar uma figura desconhecida por muitos, mas que se reveste de uma grande importância.

Afinal, vocês sabem o que é o duty to mitigate?

Trata-se de um instituto próximo às lições da "Responsabilidade Civil", daí porque ser de extrema relevância o seu estudo, já que são comuns discussões doutrinária e jurídicas nessa seara. Para melhor esclarecer a questão, trasncrevemos as lições do Prof. Pablo Stolze[1]:


"Importante figura, desenvolvida no Direito Norte-Americano, e que, especialmente nos últimos tempos, tem despertado a atenção da nossa doutrina e da jurisprudência pátria, consiste no duty to mitigate (dever de mitigar).

A sua noção é simples.

Como decorrência do princípio da boa-fé objetiva, deve, o titular de um direito (credor), sempre que possível, atuar para minimizar o âmbito de extensão do dano, mitigando, assim, a gravidade da situação experimentada pelo devedor.

EMILIO BETTI, ilustre professor de Direito da Universidade de Roma, em sua clássica obra “Teoria Geral das Obrigações” (Bookseller, 2006, 1. Ed), já reconhecia, na atualidade, a existência de uma verdadeira crise de cooperação entre as partes da relação jurídica obrigacional.

Em verdade, a exigência de que o credor – posto seja titular de um direito – deva atuar, em sendo possível, para minimizar a situação do devedor, traduz uma recomendável atenuação desta crise relacional, em prol inclusive do princípio da confiança.

Figuremos um exemplo.

Imagine que FREDIE BACANA conduz o seu carro no estacionamento da Faculdade. Em uma manobra brusca e negligente, colide com o carro de SALOMÉ VIENA. Esta última, vítima do dano e titular do direito à indenização, exige que FREDIE chame um guincho. Muito bem. Enquanto FREDIE se dirigia à secretaria da Faculdade para fazer a ligação, SALOMÉ – credora do direito à indenização – verificou que uma pequenina chama surgiu no motor do carro.

Poderia, perfeitamente, de posse do seu extintor, apagá-la, minimizando a extensão do dano. Mas assim não agiu.

Em afronta ao princípio da boa-fé e ao dever de mitigar, pensou: “quero mais é que o carro exploda, para que eu receba um novo”.

Neste caso, se ficar demonstrado que o credor poderia ter atuado para minimizar o dano evitável (“avoid his avoidable damages”), não fará jus a um carro novo. Apenas receberá, por aplicação do duty to mitigate, o valor correspondente à colisão inicial.

Observe, amigo leitor, a multiplicidade de situações reais em que este instituto poderá ser aplicado, a exemplo da hipótese em que o credor, beneficiado por uma medida judicial de tutela específica, podendo fornecer ao Juízo elementos concretos para a sua efetivação, prefere “rolar a multa diária”, para, ao final do processo, perceber uma vultosa quantia. Se ficar demonstrado que poderia ter atuado para efetivar a medida de imediato, e não o fez, deve o juiz reduzir o valor devido, com fulcro no aludido dever de mitigar.

Ao encontro de todo o exposto, colacionamos recente decisão do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO.

1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade.

2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico.

3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade.

4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano.

5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento).

6. Recurso improvido.

(REsp 758.518/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010, REPDJe 01/07/2010, DJe 28/06/2010)

Diante disso, fico muito feliz por constatar que o novo Direito Civil tem se aperfeiçoado constantemente, segundo parâmetros de eticidade tão relevantes para a construção da sociedade democrática e igualitária que tanto queremos.

E tanto sonhamos."

Espero que vocês tenham gostado da dica.

Abraços e até breve!!


[1] Editorial nº 13, que pode ser acessado no endereço eletrônico que se encontra na barra lateral deste Blog, na seção "Site de professores - Pablo Stolze".